sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A rosa de Clarice



   "Sei da história de uma rosa. Parece-te estranho falar em rosa quando estou me ocupando com bichos? Mas ela agiu de um modo tal que lembra os mistérios animais. De dois em dois dias eu comprava uma rosa e colocava-a na água dentro da jarra feita especialmente estreita para abrigar o longo talo de uma só flor. De dois em dois dias a rosa murchava e eu a trocava por outra. Até que houve determinada rosa. Cor-de-rosa sem corante ou enxerto porém do mais vivo rosa pela natureza mesmo. Sua beleza alargava o coração em amplidões. Parecia tão orgulhosa da turgidez de sua corola toda aberta e das próprias pétalas que era com uma altivez que se mantinha quase ereta. Porque não ficava totalmente ereta: com graciosidade inclinava-se sobre o talo que era fino e quebradiço. Uma relação íntima estabeleceu-se intensamente entre mim e a flor: eu a admirava e ela parecia sentir-se admirada. E tão gloriosa ficou na sua assombração e com tanto amor era observada que se passavam os dias e ela não murchava: continuava de corola toda aberta e túmida, fresca como flor nascida. Durou em beleza e vida uma semana inteira. Só então começou a dar mostras de algum cansaço. Depois morreu. Foi com relutância que a troquei por outra. E nunca a esqueci. O estranho é que a empregada perguntou-me um dia à queima-roupa: "e aquela rosa?" Nem perguntei qual. Sabia. Esta rosa que viveu por amor longamente dado era lembrada porque a mulher vira o modo como eu olhava a flor e transmitia-lhe em ondas a minha energia. [...]"

LISPECTOR, Clarice. Água Viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 

      Tive minhas rosas. Três. Não duraram uma semana. Duraram mais. E o cansaço ou algo que ainda não entendo as fizeram murchar e ir para longe de mim. Talvez enfeitar outras casas, causar beleza em outras vistas... "E aquela tal rosa?". O fim e ponto. Não gosto de prolongar e recontar o que tive com elas. Meu jarro está vazio, mas sei que outras rosas poderão lhe habitar. E espero que somente uma fique e que não murche tão depressa.



Email do Blog: umpoucodecarolmachado@hotmail.com


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