"Livros sempre foram marcantes por
toda a minha vida. E nunca imaginei que estaria cursando uma faculdade que tem
como os livros a base de todo o curso. Lembro que desde muito cedo gostava de
ler. Costumava sempre na hora do recreio ir à pequena “sala de leitura” que
existia na escola que estudei minhas primeiras séries. Monteiro Lobato roubava
a cena naquela mini biblioteca. E Reinações
de Narizinho chamou minha atenção. Assim como também A droga da obediência de Pedro Bandeira e Os cavaleiros da távola redonda de Thomas Malory. Na maioria das
vezes, não conseguia terminar o livro no curto tempo do recreio. E pedia a tia
(ou bibliotecária) que me deixasse levar para casa. Era proibido, mas ela
sempre deixava, pois via que eu realmente me interessava pelos livros.
Em
casa eu também tinha muito contato com os livros, já que minha tia e minha mãe
sempre adoraram ler. Minha tia, por exemplo, tinha uma coleção enorme de livros
do tipo “romance água com açúcar”, ou seja, os famosos “Sabrina”, “Márcia”,
etc. Sempre pegava algum escondido. Ela não gostava que eu lesse, dizia que eram
“livros para adultos”. Hoje, entendo que ela dizia isso pelo alto índice sexual
que aqueles livros tinham, mas naquela idade eu não entendia muito ou fingia
que não entendia.
Já
minha mãe tinha também uma enorme coleção, mas a maioria era sobre espiritismo.
Ela sempre dizia que estudava o espiritismo e o tinha como uma filosofia de
vida. Então Chico Xavier sempre estava exposto na estante de minha mãe. Assim
como também Zíbia Gasparetto. Mas o livro que minha mãe me emprestou e fez
questão que eu lesse foi Love Story – Uma
história de amor de Erich Segal. Claro que eu achei o livro muito triste,
já que a protagonista morre ao final. Então, esse foi o primeiro livro que me
emocionou e me fez chorar. Quando minha mãe faleceu e eu estava na minha pré-adolescência
(13 anos), minha Vó quis doar os livros dela para uma biblioteca comunitária. E
eu guardei Love Story comigo, pois
sempre iria fazer eu me recordar dela.
Nesse
tempo que foi realmente conturbado com a chegada da adolescência e a morte
precoce de minha mãe, houve uma professora de português que me incentivou a ler
alguns clássicos da literatura brasileira. Eu tinha alguns desses livros em
casa, já que meu tio era jornaleiro e sempre saía aquelas coleções do Jornal O
Globo. Comecei por Machado de Assis. Li Dom
Casmurro, Iaiá Garcia, Memorial de Aires, Quincas Borba. Depois passei para
José de Alencar. Li Iracema que por
coincidência era o nome de minha Vó e O
Guarani. Depois passei para A
Moreninha de Joaquim Manuel de Macedo e A
Escrava Isaura de Bernardo Guimarães. Sim, eu tinha muitas dúvidas. Nem sempre
entendia o contexto dos clássicos e o que o autor queria dizer. E aí essa
professora me ajudava. E se empolgava muito com o meu entusiasmo em ler aqueles
livros.
E
daí em diante eu entendi que era realmente apaixonada por essa literatura. E
foi uma pista do curso que eu deveria escolher se passasse no vestibular. Claro
que minha família não gostava muito da ideia. Queria que eu cursasse algo
melhor ou que desse mais dinheiro, como por exemplo, Direito ou Informática. Informática
principalmente, pois eu estava cursando o técnico no meu Ensino Médio. Sim, eu
até gostava. Mas estava certa em escolher Letras. E passei exatamente para
Letras.
Concluí
o Ensino Médio e caí de paraquedas na faculdade. Logo no início estranhei tudo
aquilo. Típico comportamento de uma caloura. Não entende o que o professor diz,
não entende alguns termos acadêmicos, pronuncia o nome do autor errado... E foi
nessa época que Freud entrou na minha vida. Primeiro período, primeiro
seminário e Freud de presente. Li O
mal-estar na cultura e me apaixonei pela Psicanálise, pela linguagem que
Freud usava e pelos exemplos literários que ele colocava em sua Obra. Tanto
que, após o seminário, continuei lendo Freud. Ganhei de presente de aniversário
do meu amigo Maycon o livro A
interpretação dos sonhos. Confesso que ainda não terminei de ler, por ser
muito complexo. Freud é um autor que exige muita dedicação ao ler seus livros.
Não se pode ler de um dia pro outro.
Depois
de algum tempo, minha Vó adoeceu e precisei ficar com ela no hospital. Lembro
que teria uma prova no dia seguinte sobre o livro A ordem do discurso de Michel Foucault. Eu não pegava no livro
enquanto minha Vó estivesse acordada, pois sabia que ela iria reclamar e dizer:
“Até aqui você está com esse livro na mão?”. Então quando ela adormecia, eu lia
um pouco. Mas não consegui. Estava muito preocupada com ela, com a saúde dela e
deixei o livro de lado. Tentaria falar com o professor, explicar a situação.
Mas eu nem cheguei a comparecer para fazer a prova. Infelizmente ela faleceu
naquele dia. E depois disso não conseguia sequer olhar para o livro, pois me
lembraria dela e de como ela parecia estar bem, sempre sorrindo e brincando
comigo. Só voltei a ler o livro alguns períodos depois quando outra professora
pediu para um trabalho. E com certeza me fez lembrar Iracema, a minha Vó. Um mês após o ocorrido,
eu também adoeci. Foi difícil, pois eu odiava hospital e realmente fiquei mal,
tive que passar por uma cirurgia. Nesses dois meses internada, pedi que me
trouxessem algo para ler. Meu tio me trouxe gibis da Turma da Mônica, pois
sabia que eu gostava. Minha tia me trouxe o livro Kairós do Padre Marcelo Rossi e minha irmã trouxe o livro que nunca
terminei de ler. Os homens que não amavam
as mulheres de Stieg Larsson. Ri com os gibis de Maurício de Souza, o livro
do Padre Marcelo me fez refletir muito sobre várias coisas e me colocou mais
próxima da minha religião, já que andava meio brigada com o catolicismo. E não
terminei de ler o livro de Larsson. Até hoje ainda não o terminei.
Após
esse período um tanto triste, consegui voltar para a rotina normal. Me
apaixonei. Melhor, amei mesmo. E ele compartilhava dos mesmos gostos esquisitos
que o meu. Então decidi presenteá-lo com um livro que tinha comprado. Um livro
sobre uma série que eu gosto muito e ele também. Supernatural – O diário de John Winchester era o título do livro e
o autor é Alex Irvine. Enfim, é um livro que narra um pouco do que se passa
dessa série televisiva. Mas na contra capa fiz uma imensa declaração de amor.
Coisa que nunca tinha feito antes. Hoje não estamos mais juntos. E ele ainda
está com o livro. Recentemente pedi o livro de volta, já que era meu e o amor
acabou mesmo. Ele me enrolou dizendo que iria devolver, mas não devolveu. Comprarei
outro, é o jeito.
Nessa
época estava lendo Clarice Lispector a pedido de uma professora. Li A paixão segundo G.H e Água Viva. Meus livros estão todos
marcados com frases de Lispector que diziam o que eu estava sentindo no
momento, aquele momento depressivo de pós-amor. Tanto que em uma aula a
professora perguntou se alguém que estaria lendo os livros estava sofrendo por
amor. Custei, mas levantei a mão. Ela sorriu e disse que quando leu pela
primeira vez, também estava passando por essa mesma situação.
Essa
mesma professora, que hoje é minha orientadora de monografia, me apresentou Hilda
Hilst. Quando disse que queria fazer uma monografia voltada para a literatura
pornográfica, ela afirmou que essa seria a autora certa. E realmente está
sendo. Li A obscena Senhora D, O caderno
rosa de Lori Lamby e agora estou lendo um livro que faz a seleção de todas
as Obras pornográficas da autora. Se chama Pornô
Chic. E estou louca com a escrita da Hilda. Realmente é a autora certa que
quero trabalhar. Não consigo parar de lê-la. Sempre me surpreende. Assim como
me surpreendeu a escrita de Bataille em seu livro O Erotismo que usei em um seminário e irei usá-lo também em minha
monografia.
Esses
são alguns livros que marcaram minha vida. Me marcaram, pois deixaram
lembranças fortes em cada um deles. Sei que ao ler novamente, esses momentos
irão retornar. Hoje estou lendo Anna
Karenina de Tolstói, pois uma professora me chamou por esse nome. Não sei
se foi uma brincadeira por eu me chamar Ana Carolina ou se foi proposital por
algum outro motivo. Por essa curiosidade, estou lendo. E sei que também ficará
marcado em minha vida com essa lembrança e dúvida"
Texto feito para um trabalho a pedido do professor Nonato Gurgel baseado no livro Los libros de mi vida de Ricardo Piglia
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